Introdução
O objetivo desse artigo foi esclarecer
sobre a Teologia Relacional com seus ensinos errôneos, bem como avaliar esses
ensinos a partir de alguns resultados práticos de acordo com suas
reivindicações para a igreja contemporânea. Infelizmente a perspectiva desses
ensinos não se apresenta nem bíblica nem pastoralmente eficiente. Dessa forma a
primeira coisa a ser estabelecida deve ser o espaço que os seus defensores possuem
no contexto evangélico. Nesse sentido, há os que defendem que eles não possuem
espaço algum, pois suas propostas são incompatíveis com a inerrância bíblica.
Outros reivindicam mais tolerância com aqueles que pensam de modo diferente.
Clark H. Pinnock, em um de seus primeiros livros sobre o teísmo aberto,
levantou essa questão, da seguinte forma: Por que estabelecer a linha divisória
na onisciência divina? Por que não pode um evangélico propor uma perspectiva
diferente acerca desse assunto? Que concílio de igreja declarou isto uma
impossibilidade? Desde quando esse assunto se tornou um critério quanto à
ortodoxia ou não-ortodoxia, evangélico ou não-evangélico? O que Pinnock parece
ter esquecido é que a doutrina de Deus é central à fé cristã e qualquer reformulação
em um aspecto da mesma implica não necessariamente em uma reformulação, mas em
confusão. O pregador canadense A. W. Tozer entendeu corretamente a importância da
doutrina sobre Deus ao dizer: O assunto mais sério para a igreja sempre foi o
próprio Deus e o fato mais solene sobre qualquer homem não é o que ele diz ou
faz em alguns momentos, mas como ele, no mais íntimo de seu coração, concebe
Deus. Dessa forma, ao propor uma redefinição da onisciência de Deus, os
teólogos da Teologia Relacional colocam-se fora dos limites do cristianismo
clássico e caminham por rotas tenebrosas.
TEOLOGIA
RELACIONAL
Uma das primeiras tarefas na
análise de um movimento, social ou religioso, é a tentativa de se compreender
sua origem e evolução. Um dos problemas encontrados neste sentido é que o
investigador pode acabar em um labirinto, dependendo do número de fontes usadas
na reconstrução do movimento. No caso da Teologia Relacional, ela aparenta ser
simplesmente um desenvolvimento lógico do arminianismo, uma vez que representa
o livre-arbítrio humano levado às últimas conseqüências. Contudo, ela vai muito
além do arminianismo ao defender uma reinterpretação teísta, limitando a
onisciência de Deus e geralmente entendendo um aspecto do ato da encarnação
ocorrido com a segunda pessoa da Trindade como uma característica do Deus
triúno. Assim, é muito comum a ênfase sobre o Deus que se esvaziou para
relacionar-se com o ser humano, sem uma clara distinção de quem se submeteu a
tal processo e sem uma explicação clara de que antes da encarnação também havia
relacionamento de Deus com o homem. Como já foi observado, o termo “Teologia
Relacional” começou a ser empregado no Brasil pelo pastor e escritor Ricardo
Gondim Rodrigues, que propôs ousadamente um credo no qual Deus soberanamente
decidiu abrir mão de parte de sua onipotência, quando criou seres à sua imagem
e semelhança. Ele se tornou fraco porque quis abrir espaço para se relacionar
conosco em amor. Além do mais, Gondim ainda defendeu a possibilidade de se ler
a Bíblia com outros óculos além daqueles utilizados pelo teísmo clássico. A proposta visava à leitura da Bíblia da
mesma forma que faziam outros segmentos cristãos ao redor do mundo, os quais,
segundo ele, eram constituídos por pensadores e teólogos que procuram
afastar-se do Deus-potência concebida nos paradigmas medievais, para o
Deus-relacional e afetuoso que Jesus de Nazaré revelou aos homens. Além do
mais, Gondim insistiu que só é possível pensar em verdadeira relacionalidade se,
em sua Graça, Deus conceder aos seres humanos liberdade real para cooperarem ou
contrariarem a sua vontade para suas vidas. Numa Teologia Relacional, Deus ama
numa interação verdadeira com os seus filhos.
A princípio, as idéias de Gondim
pareciam limitadas aos seus escritos e discursos. Curiosamente, porém, noções semelhantes
começaram a aparecer em outros setores, defendidas por líderes de diferentes
segmentos evangélicos. Bráulia Ribeiro, missionária da JOCUM e também articulista
da revista Ultimato, esboçou sua preferência pela limitação de Deus para
relaciona-se com seres humanos livres, mostrando-se disposta a aceitar,
inclusive, uma redefinição da onisciência. Outro autor que tem expressado
idéias semelhantes é o batista Darci Dusilek, o qual afirma: “Aquele que pensa
que o destino de cada homem já está fixo e determinado de antemão se mostra
estranhamente insensível ao clamor do coração e ao ritmo do pulso no Novo
Testamento”. Mais recentemente, Ed René Kivitz tem expressado sua proposta de
uma reflexão teológica; na qual deve ser deixado de lado “aquilo que Deus é em
termos de sua perfeita natureza eterna, e focar sua atenção na maneira como
Deus escolheu revelar e se relacionar com as pessoas na história”. Neste caso,
os olhos do teólogo devem “deixar de lado a visão ideal e abstrata da filosofia,
e se voltar para Jesus Cristo, suas ações e palavras, que revelam o Pai”. Aliás,
em seu post sobre “teodicéia”, Kivitz propõe que a solução do problema
do mal se encontra no fato de se “mudar o paradigma do pensamento que o criou”.
Segundo ele: Na verdade, “Deus não tinha escolha”. Ao criar o ser humano à sua
imagem e semelhança, deveria criá-lo livre. Desejando um relacionamento com o
ser humano, deveria dar ao ser humano a liberdade de responder voluntariamente ao
seu amor. Somente o amor resolveria esta equação, pois somente o amor dá liberdade
para que o outro seja livre, inclusive para rejeitar o amor que se lhe quer
dar. No final do post Kivitz argumenta que “por esta razão Deus ‘se
diminuiu’, esvazia-se de sua onipotência, abre mão de se relacionar em termos
de onipotência-obediência, e se relaciona com a humanidade com base no amor.” Nota-se,
assim, um linguajar e conceitos defendidos por Kivitz muito parecidos com
aquilo que Gondim denomina teologia relacional. Há que se reconhecer, todavia,
que nem Bráulia Ribeiro, nem Darci Dusilek e nem Ed René Kivitz jamais se
declararam oficialmente adeptos da Teologia Relacional. O que se pode dizer
sobre eles até o presente momento é que buscam expressar as implicações lógicas
do arminianismo que abraçaram, ou seja, a doutrina da liberdade libertária.
No Brasil a Teologia Relacional
não é defendida por um grande número de teólogos, mas aqueles que a defendem,
ou que por ela demonstram simpatia, são pessoas articuladas e influentes. Logo,
os impactos de seus escritos e pronunciamentos no meio evangélico são
consideráveis. Além do mais, o assunto discutido por ela não é periférico, mas
diz respeito ao próprio cerne da fé cristã. Como corretamente argumenta Heber
C. Campos: “Se nossas idéias sobre Deus não forem corretas, então todos os
outros aspectos de nossa teologia certamente estarão errados”. Um aspecto
importante a ser observado nos escritos dos proponentes da Teologia Relacional
é o fato de que, na maioria das vezes, suas argumentações revelam um interesse
mais acentuado na persuasão do leitor do que na clareza dos
conceitos defendidos. Algumas palavras até parecem ser propositadamente empregadas
de modo a dificultar ao leitor a neutralidade necessária para uma análise
abalizada. Por exemplo, Gondim defende que “quando se discute sobre a
relacionalidade de Deus precisamos vencer nossos paradigmas antigos.
A primeira premissa da Teologia
Relacional parece ser sua ênfase na liberdade humana em detrimento da
onipotência divina. Para seus defensores, Deus concedeu plena liberdade aos
seres humanos a fim de que eles realmente possam ser considerados seres morais
e responsáveis. Ao escrever sobre o Deus esvaziado (uma das poucas vezes em que
a segunda pessoa é distinguida das demais pessoas da Trindade), Kivitz afirma: O
Deus esvaziado não mantém relacionamentos à força, mediante manifestações do
seu poder e imposição de sua autoridade soberana. O Deus esvaziado dá um passo
atrás, para que você possa exercer sua liberdade de existir com Ele ou contra. Em
outra ocasião o mesmo autor alega: “Deus não age como tirano e não força o seu
poder em cima de suas criaturas sob pena de esmagá-las, tirando-lhes todo o
espaço da liberdade de que precisam para existir”. Também, em sua tentativa de
chegar a uma teodicéia satisfatória Kivitz ainda diz: entre a onipotência e a
bondade de Deus existe a liberdade do homem e o compromisso de Deus em
respeitar esta liberdade. Por esta razão Deus “se diminui”, esvazia-se de sua
onipotência, abre mão de se relacionar em termos de onipotência obediência, e
se relaciona com a humanidade com base no amor. A princípio, essas afirmações poderiam
ser encontradas em qualquer obra arminiana que interpreta a regeneração como
uma mudança da vontade e não da natureza humana. Contudo, esses conceitos
tornam-se mais claros após se observar que, segundo Gondim, eles formam a base
da Teologia Relacional, pois “só é possível pensar em verdadeira
relacionalidade se, em sua graça, Deus conceder aos seres humanos liberdade
real para cooperarem ou contrariarem a sua vontade para suas vidas”. Os
proponentes da Teologia Relacional deixam de perceber é que o Deus do teísmo
clássico não é apresentado como um ser arbitrário, mas amoroso e que
dinamicamente muda a natureza do coração do homem pela ação do Espírito Santo.
Uma vez transformada esta natureza, a vontade humana livremente se inclina a
amar a Deus, pois a vontade é serva da natureza e não vice-versa. Contudo, é
certo que Deus não opera tal mudança em todos, pois o próprio Jesus afirmou que
“muitos são chamados, mas poucos, escolhidos” (Mt 20.26; 22.14).
A segunda pressuposição doutrinária
defendida pela Teologia Relacional é que a concepção do teísmo clássico
sobre Deus foi corrompida pela influência do neoplatonismo agostiniano e o
verdadeiro conceito bíblico de Deus precisa ser resgatado. Esta insistência
é geralmente elaborada da seguinte forma: A teologia cristã
iniciou seu labor sistemático e filosófico sobre a liberdade com Santo
Agostinho. Egresso da escola neo-platônica e dos pensamentos do filósofo grego
Plotino, sabe-se que Santo Agostinho importou inúmeros conceitos dessas duas
escolas filosóficas. O articulista ainda continua dizendo que os reformadores
retomaram o discurso de Agostinho e por isto o protestantismo tornou-se
caracterizado por um determinismo teológico que não reflete o pensamento
bíblico e essa é a razão de tanta incoerência na prática religiosa e na
espiritualidade pessoal contemporânea. Mais adiante Gondim assevera: A teologia
agostiniana, influenciada enormemente pelo neo-platonismo, só concebe Deus
segundo os paradigmas gregos. Os conceitos de onipotência e onisciência são
definidos, não pelo relato das Escrituras, mas pela mitologia helênica.
Em sua defesa da teologia relacional,
Paulo Brabo parece assimilar a idéia de que o conceito teísta foi “fruto de uma
assimilação sacrílega de conceitos importados da filosofia grega”.
Conseqüentemente, o culpado pelo teísmo clássico teria sido Agostinho de Hipona,
que corrompeu o conceito de Deus no cristianismo mediante a aceitação da
influência grega. Não há razão para se negar a influência neoplatônica sobre a
vida e a conversão de Agostinho e, mais tarde, até sobre sua teologia, pois
esta influência parece ter sido até benéfica em sua luta contra os
maniqueístas, especialmente na obtenção de um conceito da divindade em termos
menos materialistas do que eles propunham. Contudo, não se pode omitir o fato
de que ao longo de sua vida, como teólogo, Agostinho buscou distanciar-se cada
vez mais do neoplatonismo em prol de uma compreensão mais bíblica da realidade.
Mesmo Os defensores da Teologia Relacional parecem tão seguros de seus
argumentos históricos que se esquecem de alguns aspectos cruciais acerca desse
assunto. Primeiro, a alegação de que o cristianismo tradicional foi contaminado
pela filosofia grega não é nova, mas ela foi especialmente enfatizada pelos revisionistas
do liberalismo teológico como, por exemplo, Adolf von Harnack e alguns
representantes da neo-ortodoxia. Em segundo lugar, para justificar uma acusação
como esta não basta demonstrar alguns paralelos, mas devem-se mostrar fatos que
comprovem que a suposta relação de fato ocorre. Em terceiro lugar, os
revisionistas hermenêuticos históricos da Teologia Relacional se esquecem de
que “os tradicionalistas criticam o teísmo clássico há séculos”, tentando
evitar qualquer traço de helenização em sua interpretação teológica. Em quarto
lugar, aqueles que acusam o teísmo clássico de ser
influenciado pela filosofia
neoplatônica quase sempre se esquecem de suas próprias influências filosóficas
na elaboração de tais argumentos. Há que se observar ainda que, quando os
defensores da Teologia Relacional argumentam que o conceito do teísmo clássico
é uma assimilação da “mitologia grega” eles parecem desconhecer a diferença
entre o entendimento filosófico da divindade e aquele que era popularmente
celebrado na mitologia. Nesta, a divindade não é descrita como um ser perfeito,
mas os deuses gregos não passavam de seres humanos divinizados, com as mesmas
fraquezas, tentações e luxúrias. Para os filósofos gregos, porém, a divindade
suprema era o uno, a perfeição, a realidade última e que em nada se
comparava às paixões animalescas dos deuses folclóricos da mitologia. Ainda é
intrigante observar que aqueles que acusam o teísmo clássico de ter sido
corrompido pela filosofia quase não recorrem às Escrituras para apresentar uma
perspectiva bíblica sobre Deus, mas volta-se para os filósofos, especialmente
aqueles cujo comprometimento com as Escrituras é questionável. Por exemplo,
William Hasker afirma que um número expressivo de filósofos hoje defende uma
perspectiva mais aberta sobre Deus, mas o grupo citado por ele inclui pessoas
sem compromisso com o cristianismo bíblico. Semelhantemente, Kivitz defende seu
argumento sobre um Deus que se limita citando André Comte-Sponville um ateu
confesso. Gondim parece gostar tanto desta citação que a repete em outro
artigo, além de apelar também para a ajuda de Simone Weil e do teólogo liberal
John Hick. As bases bíblicas para esses argumentos são raras e praticamente
inexistentes.
O terceiro aspecto básico da
Teologia Relacional é o entendimento de que a ênfase na imutabilidade de Deus o torna um Ser insensível e impassível
diante dos sofrimentos humanos.
O ensino de que Deus é um ser imutável também o torna apático ao sofrimento
humano. O problema agrava-se com o fato de a Bíblia apresentar Deus como sendo
amor, pois a afirmação de que foi por esta razão que ele mandou seu Filho para redimir os que nele
crêem é radicalmente oposta a qualquer conceito da impassibilidade divina,
segundo essa teologia. Clark H. Pinnock argumenta: Impassibilidade é o mais
dúbio dos atributos divinos discutidos no teísmo clássico, porque ele sugere a
idéia de que Deus não experimenta tristeza, sofrimento ou dor. Ele parece negar
que Deus é atingido pelo sentimento de nossas enfermidades, a despeito do que a
Bíblia eloquentemente afirma sobre o seu amor e sua tristeza. Como pode Deus
amar e não ser atingido pelo mal? Como pode Deus ser impassível quando o Filho
encarnado experimentou sofrimento e morte? Parece ser ainda neste sentido que
Gondim corretamente insiste que a perspectiva bíblica sobre Deus não é a de um
ser impassível, mas de um ser que expressa os seus sentimentos, ou seja, ele
lamenta (Ez 6.9), ele se alegra (Sf 3.7), ele sente ciúmes (Sl 78.58) e ele tem
prazer em mostrar o seu amor (Mq 7.18). Contudo, a explicação de Gondim para
estas manifestações do sentimento divino é que ele preferiu limitar sua
soberania e abrir mão de sua imutabilidade para relacionar-se com suas
criaturas. Neste ponto há que se concordar que ao longo da história cristã
muitos definiram a Deus como um ser impassível. Os próprios teólogos da Confissão
de Fé de Westminster procuraram defini-lo como “um espírito
puríssimo, invisível, sem corpo, membros ou paixões; é imutável, imenso,
eterno, incompreensível, onipotente, onisciente, santíssimo, completamente livre
e absoluto.” Esta afirmação tem sido um entrave para muitos que tentam
harmonizar esse ensino com as informações bíblicas. Como resposta, alguns
preferem defender que as expressões bíblicas sobre as reações emocionais
divinas são antropopatismos, ou seja, expressões que atribuem
sentimentos humanos a Deus. Embora esta argumentação não esteja errada e pareça
fazer justiça à intenção dos teólogos de Westminster (pois no contexto Deus é
apresentado como espírito, sem corpo e sem paixões), ela ainda não é
satisfatória para muitos. A polêmica a ser levantada é: se Deus de fato for
impassível, ou seja, não sentir paixões, como pode se relacionar com os seus
filhos e que conforto esses redimidos poderiam ter em sua vida diária se este
relacionamento se baseasse apenas numa figura de linguagem antropopática? Ainda
que o assunto exija mais atenção, algumas coisas precisam ser esclarecidas a
este respeito. Em primeiro lugar, há que se entender que o termo impassibilidade
é uma expressão negativa e diz respeito ao fato de Deus não poder
experimentar dor, sofrimento ou prazer causado a ele por outro ser.
Impassibilidade significa que Deus não é sujeito às ações de suas criaturas a
menos que ele assim o queira. Contudo, impassibilidade não significa que Deus
não ama, pois o amor é algo que emana dele e é por ele praticado, pois Deus é
amor. Como corretamente afirma J. I. Packer, “impassibilidade não significa
insensibilidade. Quando Deus entra em um relacionamento de dor e sofrimento,
isso ocorre por sua própria decisão, pois ele nunca é uma vítima de sua
criatura”. Além do mais, impassibilidade nunca foi sinônimo de insensibilidade,
assim como imutabilidade não equivale a inércia. Os teólogos relacionais
parecem não querer ter o trabalho de entender algumas verdades confessadas
pelos cristãos do passado e se alegram em obscurecer o entendimento dos santos do
presente. Na verdade, um momento de reflexão é suficiente para convencer as
pessoas de que se Deus for sujeito aos mesmos sentimentos que os seres humanos,
sua imutabilidade fica seriamente comprometida e o conforto dos cristãos, ameaçado.
Em nenhum momento o teísmo clássico, nem mesmo aquele defendido pelos teólogos
de Westminster, pretendeu descrever Deus como um ser insensível e distanciado
de sua criação. Assim como as Escrituras afirmam, o cristianismo entende que Deus
possui emoções reais, sejam estas expressões do seu amor ou da sua ira. Quando
se fala da impassibilidade de Deus, o que se pretende é distinguir entre as
emoções divinas e as humanas. As emoções humanas são, muitas vezes, causadas
pela ignorância, distância, medo e fraqueza. Logo, essas emoções estão em
constantes mutações. Deus possui uma vida emocional (ele ama, julga, exerce
misericórdia, etc.), mas suas emoções não são espasmódicas como as de suas
criaturas.
Em quarto lugar, há a assertiva de
que o relacionamento de Deus com
os homens é determinado por seu amor e
não por sua soberania. Segundo esse conceito, a soberania de Deus
impossibilita a verdadeira liberdade, o que nunca ocorreria em um
relacionamento real. Gondim comenta: Numa espiritualidade relacional, tanto nós
respondemos às iniciativas de Deus como Deus responde às nossas iniciativas.
Numa teologia relacional, Deus corre riscos nesse relacionamento com os seres
humanos, embora seja infinitamente competente e sábio para alcançar seus
objetivos eternos, redesenhando a história e ele mesmo se adequando às nossas
decisões quando o frustramos. Em outro artigo Gondim insiste: Dessa forma
deve-se compreender que a soberania de Deus, conforme defendida por alguns
cristãos, especialmente os calvinistas, anula a liberdade humana e impede o
relacionamento do homem com Deus com base em seu amor Com isto, entende-se que
no âmago desse ensino existe a convicção de que os seres humanos só podem ser
moralmente responsáveis se possuírem autodeterminação definitiva, o que exclui
a soberania divina e só é possível pelo exercício do amor de Deus. O que tais
teólogos parecem esquecer é que a descrição que a Bíblia faz do amor de Deus é,
em si mesma, soberana, pois ele amou segundo o conselho de sua vontade (cf. Ef
1.11, Jr 31.3). Também, sua escolha amorosa é soberana (Jo 15.16). Além do
mais, Paulo diz que ele “tem misericórdia de quem quer e também endurece a quem
lhe apraz” (Rm 9.18).
A Teologia Relacional insiste na
pressuposição de que o futuro está aberto para ser construído por
Deus e os seres humanos em um relacionamento
dentro do tempo. Este, talvez, seja o ponto de maior polêmica em relação
aos teólogos relacionais, pois eles defendem que Deus só pode conhecer aquilo
que existe e uma vez que ele concedeu liberdade ao ser humano para construir o
futuro, o mesmo é inexistente e Deus não pode conhecê-lo. Certamente é neste
contexto que a afirmação de Gondim faz mais sentido quando ele diz: Na Teologia
Relacional, não há contradição com a teologia clássica na afirmação de que Deus
conhece perfeitamente o passado e o presente. A polêmica nasce quando se pensa
sobre o futuro. Quanto ao futuro podemos afirmar: (1) Deus conhece algumas
dimensões do futuro, não por já existirem, mas por Ele haver soberanamente
decretado que um dia elas acontecerão – o que explica as profecias,
principalmente as messiânicas; (2) o futuro não está exaustivamente determinado,
pois Deus criou pessoas para relacionamentos e os relacionamentos exigem liberdade
de arbítrio. Homens e mulheres tomam decisões e geram novas realidades; (3)
Deus soberanamente escolheu relacionar-se com os seres humanos de forma
interativa, amorosamente, chamando-nos para sermos cooperadores com ele na
criação do futuro; (4) A Bíblia afirma repetidas vezes que futuras ações de
Deus dependem do comportamento dos seres humanos. De acordo com esta
perspectiva, não é apenas o futuro que se encontra aberto para ser construído,
mas a própria onisciência de Deus se encontra fechada com relação a ele. A
única possibilidade de acatar tal pressuposição seria “redefinir” o termo
onisciência e é precisamente isto que a Teologia Relacional tem procurado
fazer. Segundo Gondim, somente sob esta perspectiva é que os cristãos poderão entender
o valor da oração. Segundo ele, em um diálogo amoroso Deus nos convida para
participarmos com ele na construção do futuro. Quando oramos, acreditamos que
entramos em um genuíno
diálogo com Deus e que o futuro não
está determinado. Pedimos porque cremos que o futuro pode ser mudado. Somos
artesãos do futuro. Em outro artigo ele insiste: O significado mais profundo da
narrativa bíblica é que Deus, na verdade, apostou na construção da história com
a participação humana; Numa história inacabada, Deus continua convidando homens
e mulheres para fazerem fluir a justiça como um rio caudaloso num reino de paz.
A grande questão a ser respondida é como essa teologia difere da Teologia do
Processo. Gondim afirma que na teologia clássica, Deus está fora do tempo e
contempla tanto o passado como o presente e o futuro como se acontecessem
simultaneamente – conceito neoplatônico estranho à cosmovisão judaica. Se isto
ocorre na teologia clássica, como a relação entre Deus e o tempo sucedeno
revisionismo da Teologia Relacional? O próprio Gondim responde a isto: O futuro
não pode ser conhecido não porque Deus seja limitado, mas porque o futuro ainda
não existe. Insisto: nisto não limitamos a Deus. Apenas afirmamos que ele
amorosamente nos convocou para sermos arquitetos do amanhã. Logo, tanto Deus
como o homem se encontram presos ao tempo e ambos evoluem e aprendem das
experiências ocorridas dentro do mesmo. Esta proximidade da Teologia Relacional
com a Teologia do Processo foi um dos aspectos que mais assustaram Russel Shedd
quanto à nova posição de Gondim, pois ele entende que “isto o tem empurrado
para uma teologia de Deus de processo”. Certamente foi partilhando da mesma
compreensão que Thomas Oden (um ex-liberal) acusou o teísmo aberto com as
seguintes palavras: “A fantasia de que Deus é ignorante em relação ao futuro é
uma heresia que deve ser rejeitada com base nas Escrituras”. A linha divisória entre
a Teologia Relacional e algumas heresias rejeitadas no passado parece ser
realmente muito tênue.
Não se pode esperar grandes
benefícios da Teologia Relacional para o protestantismo brasileiro. Uma análise
da Teologia Relacional não pode deixar de listar alguns de seus pontos
positivos, pois eles existem. Um dos primeiros aspectos a serem valorizados
nesta perspectiva é sua tentativa de focalizar o debate evangélico na doutrina
de Deus. Há muita discussão na igreja contemporânea acerca de estratégias missionárias,
metodologias e opiniões pessoais. Todavia, se o protestantismo brasileiro não
possuir uma perspectiva claramente bíblica acerca de Deus, não haverá mensagem
a ser anunciada. Outro ponto da Teologia Relacional a ser reconhecido é sua
tentativa de desenvolver uma perspectiva clara da teodicéia, ou seja, a defesa
da justiça de Deus em um mundo marcado pelo pecado e pela presença perturbadora
do mal. Finalmente, os defensores da Teologia Relacional devem ser apreciados
por seu clamor em prol de uma teologia mais bíblica e menos filosófica. O
problema é que aqueles que fazem tais reivindicações parecem mais ocupados em
impressionar seus leitores com suas filosofias do que estabelecer um exemplo
necessário para o retorno às Escrituras. Assim como o teísmo aberto, a Teologia
Relacional sempre reivindicou ser um ensino prático. Seus proponentes defendem
que na medida em que as pessoas perceberem que Deus é vulnerável ao sofrimento
e incapaz de conhecer minuciosamente o futuro, elas serão mais motivadas a crer
nele e a buscá-lo mais intimamente, especialmente em situações de tragédias.
Além do mais, essa nova perspectiva relacional de Deus deveria fortalecer a
vida de oração dos cristãos, ajudá-los a explicar a existência do mal e a
responder aos problemas sociais, além de motivá-los a atuarem mais na obra da
evangelização. Em certo sentido, essa teologia atende perfeitamente ao espírito
pós-moderno e antropocêntrico. Contudo, resta saber quão bíblica e benéfica ela
realmente é para a igreja contemporânea. O ensino bíblico sobre o conhecimento
de Deus é que ele conhece perfeitamente a si mesmo, bem como as coisas ao seu
redor. Por ser perfeito, esse conhecimento é chamado “onisciência”, o que
significa que o conhecimento de Deus não é sucessivo, mas absoluto, pois ele
conhece todas as coisas em sua totalidade. Há várias passagens bíblicas
mostrando que Deus é perfeito
em conhecimento (Jó 37.16; Sl 44.21),
que ele conhece o interior das pessoas (1Sm 16.7; Jr 17.10; Lc 16.15 e Jo
2.25), dirige o caminho dos homens e estabelece os tempos e limites da habitação
deles (Sl 33.13; Atos 17.26). Há que se notar ainda o ensino bíblico de que o
aspecto da encarnação referente ao esvaziar-se de sua glória foi assumido pela
segunda pessoa da Trindade e não pelo Deus triúno (Fp 2.7-8). A atitude de
Jesus fez parte do período comumente descrito como “estado de humilhação”, pois
após a sua ressurreição ele foi exaltado à destra de Deus e não se encontra
mais “esvaziado” (Fp 2.9-11). Dessa forma, falar sobre o “Deus esvaziado” sem
fazer tais distinções é, no mínimo, obscurecer a verdade e confundir a mente
dos
leitores e da igreja contemporânea.
Neste aspecto, MacArthur e Ware estão corretos ao afirmarem que essa suposta
limitação de Deus ataca a doutrina da expiação e da obra redentora realizada
por Cristo. Outro aspecto a ser lembrado sobre o ensino bíblico é que os
resultados do pecado original afetaram a humanidade mais intensamente do que se
imagina. Não apenas a alma, mas todas as dimensões do ser humano, tais como o seu
intelecto, vontade, emoções, ações e outras mais foram danificadas pela queda.
Essa é a razão pela qual as Escrituras se dirigem ao homem sem Deus como “morto
em seus delitos e pecados” (Ef 2.1) e afirma que “não há temor de Deus diante
de seus olhos” (Rm 3.9-18). Mesmo os cristãos neste mundo não atingiram o
estado de perfeição, mas aguardam com paciência os resultados finais da
redenção (Rm 8.22-25). Assim, defender a participação desse homem caído como
co-construtor do futuro é, no mínimo, arriscado, para não lembrar que é ir além
do que a Bíblia ensina. Ao invés de produzir conforto, essa perspectiva pode
resultar em desespero, especialmente para aquele que possui uma noção do mal
que nele habita (cf. Rm 7.7-25). O fato é que a prática dos pressupostos da
Teologia Relacional, resulta mais em males do que os bens pretendidos. Há
alguns problemas lógicos resultantes das pressuposições teológicas desse
ensino. Certamente um dos efeitos mais nocivos Teologia Relacional é o fato de ela
“construir” uma caricatura de Deus que o torna refém das ações humanas e que
não representa o Deus que se revela nas Escrituras. Por mais que os seus defensores
enfatizem a importância dos relacionamentos, no final é praticamente impossível
à Teologia Relacional se livrar de sua negação da onisciência divina. Ao propor
uma reinterpretação da pessoa de Deus e uma dependência de suas ações das
decisões humanas ela o torna refém de sua própria criação e tal caricatura está
distante de fazer justiça ao Deus verdadeiro. A insistência da Teologia
Relacional no fato de que Deus se arrisca em prol de construir um futuro com os
seres humanos, rouba Deus de sua glória e os cristãos do conforto de
pertencerem àquele para quem “acasos não haverá”. Dessa forma, a apresentação
que a Bíblia faz de Deus como “o Rei das nações” (Ap 15.3), “o Juiz de toda a
terra” (Gn 18.25), aquele que faz todas as coisas “segundo o conselho de sua
vontade” (Ef 1.11) e assim por diante, fica sem sentido para o cristão. Ao
descrever Deus como aquele que não conhece o futuro e que se limita a ponto de
não poder fazer nada sem a ação de suas criaturas, o ensino relacional destrói
o conforto do coração do cristão, implantando em seu lugar o desespero. Ao
buscar redefinir “onisciência”, os defensores da Teologia Relacional acabaram
criando aquilo que J. B. Philips denunciou em sua obra clássica: um Deus que é
pequeno demais. Certamente foi por esta razão que Roger Nicole insistiu que a
Teologia Relacional transforma Deus em um mero jogador, que arrisca o seu plano
e suas criaturas. Bruce Ware ousa opinar que à medida que o modelo divino do
teísmo aberto penetrar em nossas igrejas poderemos antecipar uma diminuição
considerável da confiança em Deus e uma grande tentação de depender de nossa
inteligência e habilidades.
O segundo problema prático da
Teologia Relacional encontra-se no fato de que ela diminui a confiança dos
cristãos na Bíblia. Os defensores da Teologia Relacional acreditam, e até
insistem, que sua posição é mais bíblica do que aquela mantida pelo teísmo
clássico. Gregory A. Boyd, por exemplo, afirma: “Se apenas aceitarmos o
significado claro das Escrituras entenderemos que algumas vezes Deus se
arrepende do resultado de suas decisões”. Gondim insiste em selecionar alguns
textos bíblicos (pelo menos 40) que mencionam o aparente arrependimento ou
frustrações de Deus, bem como alguns que supostamente mostram que Deus está
incerto sobre acontecimentos futuros. Contudo, se uma pessoa adotar esta
proposta do “significado claro” das Escrituras, poderá ter sérios problemas ao
lidar com um texto como, por exemplo, Gênesis 22.12, usado pelos teístas
abertos para dizer que Deus estava testando Abraão para aprender algo que ele
realmente não sabia de antemão. O fato é que se Deus precisava testar Abraão
para saber o que estava em seu coração, logo sua ignorância não é apenas acerca
do futuro, mas também do presente. Em segundo lugar, se Deus estiver tentando
descobrir se Abraão será fiel no futuro, segue-se que ele estará interferindo
com a suposta liberdade libertária de Abraão. Dessa forma, a proposta
hermenêutica dos revisionistas não passa nem no seu próprio teste. Além do
mais, se Deus não conhece o futuro, qual é a garantia que o cristão possui de
que as promessas contidas nas Escrituras são verdadeiras? Assim, esse ensino
diminui a confiança na Bíblia e em sua autoridade.
Em terceiro lugar o ensino da
Teologia Relacional é nocivo à esperança escatológica cristã. Se o futuro será
construído pelas decisões de Deus e dos seres humanos, qual é a garantia que o
cristão possui de que o plano eterno de Deus será realmente realizado. Dessa
forma, a certeza escatológica torna-se apenas uma possibilidade. O fato é que
ao tentar resolver o problema do mal, a ênfase relacional esvaziou Deus de sua
soberania e apontou uma solução mais cruel do que aquela contra a qual se
opunha. Ao enfatizar a “soberania de amor” ao invés da “soberania de controle”,
a Teologia Relacional produziu um universo desgovernado e um rei cujo reino, no
final, é “administrado apenas de maneira vacilante, pois nem todas as criaturas
são recipientes de suas intervenções de misericórdia”. A grandeza e a soberania
de Deus formam o fundamento da esperança cristã (Rm 8.39). Finalmente, a
Teologia Relacional traz prejuízos incalculáveis à vida devocional dos
cristãos. A priori, seus defensores argumentavam que esta teologia
traria grande contribuição para a vida de oração dos cristãos, pois eles
entenderiam o propósito de orar: participarem da construção do futuro com Deus.
Além do mais, se a oração supostamente pode mudar os planos de Deus, essa
ênfase deveria levar os cristãos a orar com mais intensidade. Contudo, há que
se questionar sobre qual é o verdadeiro propósito de se orar para um Deus que
não sabe o que irá acontecer? Além do mais, qual é a garantia que os cristãos
possuem de que, de fato, esse Deus poderá responder às suas intercessões? Talvez
os proponentes desse ensino estejam esquecidos da implicação lógica de suas
argumentações nesta questão da oração. Se Deus criou um universo sobre o qual
ele não possui o controle total e em cujo governo as pessoas podem interferir
através de suas decisões e orações, qualquer intervenção divina representaria
uma violação dos direitos dessas pessoas. Logo, a suposta liberdade libertária
dos indivíduos impede Deus de agir em resposta às orações dos seus santos. O
fato é que a Bíblia ensina que o cristão deve ser motivado a orar pela própria
onisciência e soberania de Deus (Mt 6.8-9, “porque Deus, o vosso Pai, sabe o de
que tendes necessidade, antes que lho peçais. Portanto, vós orareis...”). Em
outras palavras, a oração é o meio estabelecido pelo Pai para que o filho
exercite a comunhão com ele.
Conclusão:
Os caminhos da heresia nem sempre
são percebidos facilmente por aqueles que trilham por eles. Como corretamente
afirma Luis Wesley de Souza, “as grandes heresias surgidas ao longo da história
do cristianismo não foram aquelas facilmente identificáveis à primeira vista”.
Por esta razão, debates e controvérsias doutrinárias sempre serão necessários
no cristianismo e em defesa da “fé entregue aos santos” (Jd 3). No caso de
debates e contendas pela fé cristã, há, todavia, duas coisas que precisam ser
consideradas. Em primeiro lugar, há uma diferença imensa entre consideração
pelas pessoas e tolerância para com os seus erros. Enquanto o amor cristão pode
ser praticado em relação àqueles que divergem da verdade na esperança de que
eles retornem à sensatez, os ensinos destes não podem ser tolerados por amor ao
rebanho por quem Cristo morreu. Em segundo lugar, como corretamente entendeu
John Newton, há sempre obrigações espirituais no contexto dos debates
teológicos. Segundo Newton, antes de colocar a “pena sobre o papel”, o
debatedor deve entregar o seu oponente, “por meio de sincera oração, ao
ensinamento e à bênção do Senhor”. Os efeitos disso, de acordo com Newton, são:
(1) amor e piedade
ao oponente, (2) comunhão com ele, se
ele for crente e, (3) compaixão por um perdido, caso ele não seja cristão.112
No que diz respeito aos defensores da Teologia Relacional e suas variadas versões,
há realmente muita necessidade de intercessão!