Regeneração
Introdução
O tema clássico entre a teologia agostiniana e
todas as formas do pelagianismo concentra-se num aspecto da ordem da salvação
(ordo salutis): qual é a relação entre regeneração e fé? A regeneração é uma
obra monergística ou sinergística? Uma pessoa deve primeiramente exercer a fé a
fim de nascer de novo? Ou o novo nascimento deve ocorrer antes da pessoa estar
apta para exercer fé? A graça da regeneração é operante ou cooperativa? A
regeneração como vemos acima, ela têm muitas indagações, e é muita complexa
para quem quer estudar bem aguçadamente. Mas o que é monergismo e sinergismo?
A
regeneração monergística significa que ela é alcançada por um simples
protagonista, Deus. Significa literalmente obra de único ser. O sinergismo,
por outro lado, refere-se à obra que envolve a ação de duas ou mais partes. ou
seja, a graça é um assistente de Deus, como um ingrediente necessário mas
dependente da cooperação humana para a sua eficácia. E é nesse tema que vou
desenvolver meu trabalho sobre regeneração, citando os ensinos de alguns
eruditos consagrados na teologia cristã.
Sinergismo
O sinergismo teve princípio com os
ensinamentos de Pelágio, um monge britânico que engajou num debate ardente com
Agostinho na igreja primitiva. De acordo com os ensinamentos de Pelágio, ele
pregava o seguinte: que Deus não havia ordenado nada impossível, que o homem
possuía o poder de fazer o bem se assim o desejasse e que a fraqueza da carne
era meramente um pretexto. Ele também acreditava que a ordem de obedecer
implicava habilidade para obedecer. Isso se aplicaria não apenas à lei moral de
Deus, mas também aos comandos inerentes ao evangelho. Se Deus ordena que as
pessoas creiam em Cristo, então elas devem ter o poder de crer em Cristo sem a
ajuda da graça. Se Deus ordena que os pecadores se arrependam, eles devem ter a
habilidade de se inclinarem para obedecerem ao comando. Por meio do seu próprio
esforço, o homem pode alcançar tudo o que se requer dele na moralidade e na
religião. Pelágio ensinava que, se Deus é completamente bom, então tudo o que
criou é igualmente bom. Toda sua criação é boa, incluindo o homem. E o homem
dotado com razão e livre arbítrio. Com sua razão, ele deveria ter o domínio
sobre todas as criaturas irracionais; com seu livre arbítrio, ele deveria
servir a Deus. E essa liberdade, não poderia ser perdida. Pelo contrário é a
base única da relação ética do homem com Deus. Esse livre arbítrio consiste
essencialmente na habilidade de se escolher entre o bem e o mal. E é um aspecto
essencial da natureza constituinte do homem.
Segundo Pelágio; a vontade
do homem é como uma tabula rasa perpétua, que o homem poderia escrever tudo que
lhe agrada; e depois de cada decisão poderia reverter-se à indecisão. Ou seja,
a vontade do homem não passou por uma mudança e nem por uma deformação. O homem
não foi corrompido, e nem há uma inclinação para o pecado. O homem por si só
pode voltar para um novo começo, como se nada tivesse acontecido.
Para Pelágio a natureza
humana não poderia ser alterada, e sim modificada acidentalmente. Ou seja, o
comportamento de alguém pode ser mudado quando ele comete atos pecaminosos, mas
essas ações não mudam a natureza desse alguém. Por que ele acreditava dessa
forma? Por que ele definia o pecado como um desejo de fazer o que a justiça
proíbe, do qual somos livres para nos abstermos e, assim, podemos sempre
evitá-lo pelo exercício adequado da nossa vontade. O pecado não poderia se
transformar em natureza, ele sempre é um ato e nunca uma natureza. Se o pecado
fosse natureza; Deus seria o autor do mal. E a sua justiça e bondade estariam
destruídas.
Essa doutrina sinergista,
que fala sobre a vontade do homem em crer ou repudiar o chamado de Deus; é
enfatizado pelo Tiago Armínio em seus ensinamentos, que declara: todas as
pessoas não-regeneradas têm liberdade de vontade e uma capacidade para resistir
ao Espírito Santo, para rejeitar a oferta da graça de Deus, para desprezar o
evangelho da graça e para não abrir àquele que bate à porta do coração; e essas
coisas eles realmente podem fazer sem qualquer diferença entre o eleito e o
reprovado. Armínio diferenciava a graça entre a graça suficiente e a eficiente:
a graça suficiente provê tudo que o pecador necessita para ser salvo. Porém
essa graça suficiente, por falha daquele a quem é recebida nem sempre obtêm o
seu efeito, por isso a justiça de Deus não poderia ser defendida quanto à
condenação daqueles que não crêem. E a graça eficiente, diz que Deus age de uma
forma tão íntima no coração e mente do homem que aquele no qual o ato foi
concedido, ele nada pode fazer além de consentir com Deus que o chamou. Armínio
diferenciava do conceito reformado de Calvino e Lutero sobre a graça, Pois eles
acreditavam que a graça era irresistível; porque, quando Deus chama, todos
cedem ao seu chamado. Já Armínio acreditava que a graça é resistível. Pois o
homem pode resistir a Deus. Tiago Armínio acreditava que a
graça capacita o homem a submeter-se a Cristo, mas não a desejar. O pecador só
é capaz de desejar; através do Espírito Santo. Pois é obra de Deus conceder a
graça; e consentir com ela é obra do homem, que agora tem o poder de cooperar
ou não com ela. Assim conforme a crença de Armínio pode concluir que ele
acreditava que o poder para crer e se converter é concedido, de forma irresistível,
mas o próprio ato de crer e se converter pode ser produzido ou impedido pela
vontade humana.
Monergismo
Agostinho
busca responder à pergunta: o que é necessário para o homem caído “recuperar-se
para o bem e para Deus”? Como uma criatura que é má se recupera dessa condição
e se torna boa? Como uma criatura que e alienado de Deus e indisposto com a
relação a Deus, encontra seu caminho de volta para Deus? Essas questões são
supremas para um entendimento da salvação. Para Agostinho, a resposta para elas
estava na graça de Deus. Para Agostinho a graça é livre porque não é merecida e
nem conquistada. É indispensável porque é a condição necessária para
recuperação. É preveniente porque deve vir antes que o pecador possa se
recuperar. É irresistível porque é eficaz, executando o propósito de Deus ao
dá-la. É infalível porque essa liberação de graça é perfeita, sem falhas. A
dádiva da graça é ligada ao propósito eterno de Deus e é intimamente vinculada
ao seu propósito da predestinação. Agostinho afirmou que a vontade do homem era
tanto livre quanto boa, servindo a Deus com disposição e grande satisfação. Ou
seja, a vontade é verdadeiramente livre quando não é escrava de vícios e
pecados. E foi essa vontade que Deus tinha dado ao homem, mas foi perdida pelo
próprio erro, só pode ser restaurada por meio daquele que foi capaz de dá-la em
primeiro lugar. Para que viemos entender sobre a graça é preciso saber sobre a
originalidade da criação do homem; e para o nosso entendimento vou citar os
argumentos de Agostinho. Na criação, disse Agostinho, o homem tinha a posse
peccare ( capacidade para pecar) e a posse non peccare ( capacidade para não
pecar). Mesmo nesse estado, havia a assistência divina disponível para ele.
Essa assistência graciosa capacitava Adão a continuar em seu estado original,
mas não o compelia a perseverar nele. Adão tinha a posse non peccare (
capacidade para não pecar) mas não a non posse peccare ( incapacidade para não
pecar). Na criação, adão tinha a possibilidade, mas não a necessidade de pecar.
Agostinho argumenta que o homem não apenas tinha a capacidade para não pecar
como tinha a capacidade para agir assim facilmente. Em vez disso, ele violou o
comando de Deus de Deus e experimentou a horrível queda. E com isso veio as
suas conseqüências.
Com
a queda, o homem perdeu a liberdade. Na criação o homem tinha a inclinação para
positiva para o bem e para amar a Deus. Embora fosse possível que o homem
pecasse, não havia a necessidade moral para que o agisse assim. Como resultado
da queda, o homem passou a ser escravo do mal. A vontade caída tornou-se uma
fonte de mal no lugar de uma fonte do bom. Depois da queda o homem tornou-se
livre pecar, porque ele tornou-se servo do pecado. E todo servo do pecado serve
seu mestre de boa vontade. Ele faz com prazer a vontade do seu mestre. Para que
o pecador se mova da escravidão para liberdade, Deus precisa exercer a sua
graça. Agostinho disse que antes de ser redimido, o homem ainda não é livre
para fazer o que é certo. Essa capacidade vem pela graça mediante a fé.
Agostinho, então, trabalha o ponto em que a liberdade não vem da ação do homem,
pois ele é escravo do pecado. Mas a liberdade é um dom da graça divina. É Deus
quem prepara o coração para crer. Frequentemente se diz que a visão de
Agostinho é de que Deus salva o povo que não deseja ser salvo, ou que sua graça
opera contra a vontade desse povo, forçando-o a escolher e levando-o para o seu
reino debatendo-se e gritando contra sua vontade. Mas a visão da graça que
Agostinho argumenta é que a graça de Deus opera no coração de tal modo que faz
com que a relutância anterior do pecador se transforme em boa vontade. A pessoa
agora deseja Cristo porque Deus criou um novo espírito dentro dela. Deus faz
com que a vontade seja justa removendo a dureza do coração e convertendo a
vontade oposta. A visão de Agostinho da graça que liberta está ligada à sua
visão de predestinação. Ele argumenta que Deus converte os desejos maus em
desejos bons. Ele faz isso pelos eleitos. Evitando qualquer visão de eleição
baseada no conhecimento prévio de quem iria crer.
Calvino
escreve que o homem, é voluntário da prática do pecado, e isso o torna sem
vontade, e ele não pode mover-se e agir a não ser em direção ao mal. E a
necessidade de pecar é visível na vida do homem. A libertação do pecado que
Deus proporciona ao pecador. Calvino cita a carta de Paulo aos filipenses, na
qual o apóstolo fala de Deus tendo começado a boa obra entre nós (Fl 1.6).
Calvino interpreta isso como o início da conversão na vontade. A obra do Espírito
na vontade é o que inicia conversão a Cristo. Ou seja, a boa obra do Espírito
exerce em nosso coração um desejo, um amor e uma preocupação com a justiça;
desviando, treinando e guiando o nosso coração para justiça. Calvino claramente
não pretende ensinar que a vontade é destruída na conversão. Antes, ela é
mudada na sua orientação. A direção é mudada. Considerando que a vontade
não-convertida é dirigida somente para o mal, a vontade regeneradora é agora
dirigida para Deus.
Conclusão:
O
novo nascimento é um milagre. É a ação bendita do Espírito Santo que produz
vida onde imperava a morte e a condenação. É a causa que gera a mudança de
vida; a disposição para deixar tudo, negar a si mesmo, tomar a cruz e seguir
após o Senhor Jesus Cristo. É o que possibilitou o apóstolo bradar que o mundo
para ele estava crucificado e ele para o mundo. Só o novo nascimento pode abrir
os ouvidos para que ouçamos a Palavra de Deus e a recebamos; só a mente
regenerada pode atinar para o ensino que para este mundo é loucura. A salvação
é a principal das bênçãos. É o que nos concede acesso ao Pai, por meio de
Cristo Jesus, sem que sejamos consumidos e a nossa existência contada entre os
transgressores. O novo nascimento amplia os horizontes; dá sentido à vida, conforma-a
à imagem de Cristo; torna-a proveitosa para a causa do reino e sua perda na
verdade é ganho, pois ascende-nos à presença gloriosa d’Aquele que é a suma de
todas as coisas e o fim maior de nossa existência. A igreja de Cristo só pode
ser constituída daqueles que experimentaram a bênção da nova criação; é a
militância dos servos que exalam o perfume do Salvador, que batalham num mundo
cruel contra as hostes de um inimigo feroz e irado, porém derrotado. O novo
nascimento é a dádiva do Pai, em Cristo, outorgada e confirmada pelo Espírito,
que nos dá vitória final sobre a morte.
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