segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Teologia Relacional


Introdução

             O objetivo desse artigo foi esclarecer sobre a Teologia Relacional com seus ensinos errôneos, bem como avaliar esses ensinos a partir de alguns resultados práticos de acordo com suas reivindicações para a igreja contemporânea. Infelizmente a perspectiva desses ensinos não se apresenta nem bíblica nem pastoralmente eficiente. Dessa forma a primeira coisa a ser estabelecida deve ser o espaço que os seus defensores possuem no contexto evangélico. Nesse sentido, há os que defendem que eles não possuem espaço algum, pois suas propostas são incompatíveis com a inerrância bíblica. Outros reivindicam mais tolerância com aqueles que pensam de modo diferente. Clark H. Pinnock, em um de seus primeiros livros sobre o teísmo aberto, levantou essa questão, da seguinte forma: Por que estabelecer a linha divisória na onisciência divina? Por que não pode um evangélico propor uma perspectiva diferente acerca desse assunto? Que concílio de igreja declarou isto uma impossibilidade? Desde quando esse assunto se tornou um critério quanto à ortodoxia ou não-ortodoxia, evangélico ou não-evangélico? O que Pinnock parece ter esquecido é que a doutrina de Deus é central à fé cristã e qualquer reformulação em um aspecto da mesma implica não necessariamente em uma reformulação, mas em confusão. O pregador canadense A. W. Tozer entendeu corretamente a importância da doutrina sobre Deus ao dizer: O assunto mais sério para a igreja sempre foi o próprio Deus e o fato mais solene sobre qualquer homem não é o que ele diz ou faz em alguns momentos, mas como ele, no mais íntimo de seu coração, concebe Deus. Dessa forma, ao propor uma redefinição da onisciência de Deus, os teólogos da Teologia Relacional colocam-se fora dos limites do cristianismo clássico e caminham por rotas tenebrosas.

TEOLOGIA RELACIONAL

             Uma das primeiras tarefas na análise de um movimento, social ou religioso, é a tentativa de se compreender sua origem e evolução. Um dos problemas encontrados neste sentido é que o investigador pode acabar em um labirinto, dependendo do número de fontes usadas na reconstrução do movimento. No caso da Teologia Relacional, ela aparenta ser simplesmente um desenvolvimento lógico do arminianismo, uma vez que representa o livre-arbítrio humano levado às últimas conseqüências. Contudo, ela vai muito além do arminianismo ao defender uma reinterpretação teísta, limitando a onisciência de Deus e geralmente entendendo um aspecto do ato da encarnação ocorrido com a segunda pessoa da Trindade como uma característica do Deus triúno. Assim, é muito comum a ênfase sobre o Deus que se esvaziou para relacionar-se com o ser humano, sem uma clara distinção de quem se submeteu a tal processo e sem uma explicação clara de que antes da encarnação também havia relacionamento de Deus com o homem. Como já foi observado, o termo “Teologia Relacional” começou a ser empregado no Brasil pelo pastor e escritor Ricardo Gondim Rodrigues, que propôs ousadamente um credo no qual Deus soberanamente decidiu abrir mão de parte de sua onipotência, quando criou seres à sua imagem e semelhança. Ele se tornou fraco porque quis abrir espaço para se relacionar conosco em amor. Além do mais, Gondim ainda defendeu a possibilidade de se ler a Bíblia com outros óculos além daqueles utilizados pelo teísmo clássico.  A proposta visava à leitura da Bíblia da mesma forma que faziam outros segmentos cristãos ao redor do mundo, os quais, segundo ele, eram constituídos por pensadores e teólogos que procuram afastar-se do Deus-potência concebida nos paradigmas medievais, para o Deus-relacional e afetuoso que Jesus de Nazaré revelou aos homens. Além do mais, Gondim insistiu que só é possível pensar em verdadeira relacionalidade se, em sua Graça, Deus conceder aos seres humanos liberdade real para cooperarem ou contrariarem a sua vontade para suas vidas. Numa Teologia Relacional, Deus ama numa interação verdadeira com os seus filhos.          
              A princípio, as idéias de Gondim pareciam limitadas aos seus escritos e discursos. Curiosamente, porém, noções semelhantes começaram a aparecer em outros setores, defendidas por líderes de diferentes segmentos evangélicos. Bráulia Ribeiro, missionária da JOCUM e também articulista da revista Ultimato, esboçou sua preferência pela limitação de Deus para relaciona-se com seres humanos livres, mostrando-se disposta a aceitar, inclusive, uma redefinição da onisciência. Outro autor que tem expressado idéias semelhantes é o batista Darci Dusilek, o qual afirma: “Aquele que pensa que o destino de cada homem já está fixo e determinado de antemão se mostra estranhamente insensível ao clamor do coração e ao ritmo do pulso no Novo Testamento”. Mais recentemente, Ed René Kivitz tem expressado sua proposta de uma reflexão teológica; na qual deve ser deixado de lado “aquilo que Deus é em termos de sua perfeita natureza eterna, e focar sua atenção na maneira como Deus escolheu revelar e se relacionar com as pessoas na história”. Neste caso, os olhos do teólogo devem “deixar de lado a visão ideal e abstrata da filosofia, e se voltar para Jesus Cristo, suas ações e palavras, que revelam o Pai”. Aliás, em seu post sobre “teodicéia”, Kivitz propõe que a solução do problema do mal se encontra no fato de se “mudar o paradigma do pensamento que o criou”. Segundo ele: Na verdade, “Deus não tinha escolha”. Ao criar o ser humano à sua imagem e semelhança, deveria criá-lo livre. Desejando um relacionamento com o ser humano, deveria dar ao ser humano a liberdade de responder voluntariamente ao seu amor. Somente o amor resolveria esta equação, pois somente o amor dá liberdade para que o outro seja livre, inclusive para rejeitar o amor que se lhe quer dar. No final do post Kivitz argumenta que “por esta razão Deus ‘se diminuiu’, esvazia-se de sua onipotência, abre mão de se relacionar em termos de onipotência-obediência, e se relaciona com a humanidade com base no amor.” Nota-se, assim, um linguajar e conceitos defendidos por Kivitz muito parecidos com aquilo que Gondim denomina teologia relacional. Há que se reconhecer, todavia, que nem Bráulia Ribeiro, nem Darci Dusilek e nem Ed René Kivitz jamais se declararam oficialmente adeptos da Teologia Relacional. O que se pode dizer sobre eles até o presente momento é que buscam expressar as implicações lógicas do arminianismo que abraçaram, ou seja, a doutrina da liberdade libertária.  
             No Brasil a Teologia Relacional não é defendida por um grande número de teólogos, mas aqueles que a defendem, ou que por ela demonstram simpatia, são pessoas articuladas e influentes. Logo, os impactos de seus escritos e pronunciamentos no meio evangélico são consideráveis. Além do mais, o assunto discutido por ela não é periférico, mas diz respeito ao próprio cerne da fé cristã. Como corretamente argumenta Heber C. Campos: “Se nossas idéias sobre Deus não forem corretas, então todos os outros aspectos de nossa teologia certamente estarão errados”. Um aspecto importante a ser observado nos escritos dos proponentes da Teologia Relacional é o fato de que, na maioria das vezes, suas argumentações revelam um interesse mais acentuado na persuasão do leitor do que na clareza dos conceitos defendidos. Algumas palavras até parecem ser propositadamente empregadas de modo a dificultar ao leitor a neutralidade necessária para uma análise abalizada. Por exemplo, Gondim defende que “quando se discute sobre a relacionalidade de Deus precisamos vencer nossos paradigmas antigos.
            
              A primeira premissa da Teologia Relacional parece ser sua ênfase na liberdade humana em detrimento da onipotência divina. Para seus defensores, Deus concedeu plena liberdade aos seres humanos a fim de que eles realmente possam ser considerados seres morais e responsáveis. Ao escrever sobre o Deus esvaziado (uma das poucas vezes em que a segunda pessoa é distinguida das demais pessoas da Trindade), Kivitz afirma: O Deus esvaziado não mantém relacionamentos à força, mediante manifestações do seu poder e imposição de sua autoridade soberana. O Deus esvaziado dá um passo atrás, para que você possa exercer sua liberdade de existir com Ele ou contra. Em outra ocasião o mesmo autor alega: “Deus não age como tirano e não força o seu poder em cima de suas criaturas sob pena de esmagá-las, tirando-lhes todo o espaço da liberdade de que precisam para existir”. Também, em sua tentativa de chegar a uma teodicéia satisfatória Kivitz ainda diz: entre a onipotência e a bondade de Deus existe a liberdade do homem e o compromisso de Deus em respeitar esta liberdade. Por esta razão Deus “se diminui”, esvazia-se de sua onipotência, abre mão de se relacionar em termos de onipotência obediência, e se relaciona com a humanidade com base no amor. A princípio, essas afirmações poderiam ser encontradas em qualquer obra arminiana que interpreta a regeneração como uma mudança da vontade e não da natureza humana. Contudo, esses conceitos tornam-se mais claros após se observar que, segundo Gondim, eles formam a base da Teologia Relacional, pois “só é possível pensar em verdadeira relacionalidade se, em sua graça, Deus conceder aos seres humanos liberdade real para cooperarem ou contrariarem a sua vontade para suas vidas”. Os proponentes da Teologia Relacional deixam de perceber é que o Deus do teísmo clássico não é apresentado como um ser arbitrário, mas amoroso e que dinamicamente muda a natureza do coração do homem pela ação do Espírito Santo. Uma vez transformada esta natureza, a vontade humana livremente se inclina a amar a Deus, pois a vontade é serva da natureza e não vice-versa. Contudo, é certo que Deus não opera tal mudança em todos, pois o próprio Jesus afirmou que “muitos são chamados, mas poucos, escolhidos” (Mt 20.26; 22.14).                      

            A segunda pressuposição doutrinária defendida pela Teologia Relacional é que a concepção do teísmo clássico sobre Deus foi corrompida pela influência do neoplatonismo agostiniano e o verdadeiro conceito bíblico de Deus precisa ser resgatado. Esta insistência é geralmente elaborada da seguinte forma: A teologia cristã iniciou seu labor sistemático e filosófico sobre a liberdade com Santo Agostinho. Egresso da escola neo-platônica e dos pensamentos do filósofo grego Plotino, sabe-se que Santo Agostinho importou inúmeros conceitos dessas duas escolas filosóficas. O articulista ainda continua dizendo que os reformadores retomaram o discurso de Agostinho e por isto o protestantismo tornou-se caracterizado por um determinismo teológico que não reflete o pensamento bíblico e essa é a razão de tanta incoerência na prática religiosa e na espiritualidade pessoal contemporânea. Mais adiante Gondim assevera: A teologia agostiniana, influenciada enormemente pelo neo-platonismo, só concebe Deus segundo os paradigmas gregos. Os conceitos de onipotência e onisciência são definidos, não pelo relato das Escrituras, mas pela mitologia helênica.
Em sua defesa da teologia relacional, Paulo Brabo parece assimilar a idéia de que o conceito teísta foi “fruto de uma assimilação sacrílega de conceitos importados da filosofia grega”. Conseqüentemente, o culpado pelo teísmo clássico teria sido Agostinho de Hipona, que corrompeu o conceito de Deus no cristianismo mediante a aceitação da influência grega. Não há razão para se negar a influência neoplatônica sobre a vida e a conversão de Agostinho e, mais tarde, até sobre sua teologia, pois esta influência parece ter sido até benéfica em sua luta contra os maniqueístas, especialmente na obtenção de um conceito da divindade em termos menos materialistas do que eles propunham. Contudo, não se pode omitir o fato de que ao longo de sua vida, como teólogo, Agostinho buscou distanciar-se cada vez mais do neoplatonismo em prol de uma compreensão mais bíblica da realidade. Mesmo Os defensores da Teologia Relacional parecem tão seguros de seus argumentos históricos que se esquecem de alguns aspectos cruciais acerca desse assunto. Primeiro, a alegação de que o cristianismo tradicional foi contaminado pela filosofia grega não é nova, mas ela foi especialmente enfatizada pelos revisionistas do liberalismo teológico como, por exemplo, Adolf von Harnack e alguns representantes da neo-ortodoxia. Em segundo lugar, para justificar uma acusação como esta não basta demonstrar alguns paralelos, mas devem-se mostrar fatos que comprovem que a suposta relação de fato ocorre. Em terceiro lugar, os revisionistas hermenêuticos históricos da Teologia Relacional se esquecem de que “os tradicionalistas criticam o teísmo clássico há séculos”, tentando evitar qualquer traço de helenização em sua interpretação teológica. Em quarto lugar, aqueles que acusam o teísmo clássico de ser
influenciado pela filosofia neoplatônica quase sempre se esquecem de suas próprias influências filosóficas na elaboração de tais argumentos. Há que se observar ainda que, quando os defensores da Teologia Relacional argumentam que o conceito do teísmo clássico é uma assimilação da “mitologia grega” eles parecem desconhecer a diferença entre o entendimento filosófico da divindade e aquele que era popularmente celebrado na mitologia. Nesta, a divindade não é descrita como um ser perfeito, mas os deuses gregos não passavam de seres humanos divinizados, com as mesmas fraquezas, tentações e luxúrias. Para os filósofos gregos, porém, a divindade suprema era o uno, a perfeição, a realidade última e que em nada se comparava às paixões animalescas dos deuses folclóricos da mitologia. Ainda é intrigante observar que aqueles que acusam o teísmo clássico de ter sido corrompido pela filosofia quase não recorrem às Escrituras para apresentar uma perspectiva bíblica sobre Deus, mas volta-se para os filósofos, especialmente aqueles cujo comprometimento com as Escrituras é questionável. Por exemplo, William Hasker afirma que um número expressivo de filósofos hoje defende uma perspectiva mais aberta sobre Deus, mas o grupo citado por ele inclui pessoas sem compromisso com o cristianismo bíblico. Semelhantemente, Kivitz defende seu argumento sobre um Deus que se limita citando André Comte-Sponville um ateu confesso. Gondim parece gostar tanto desta citação que a repete em outro artigo, além de apelar também para a ajuda de Simone Weil e do teólogo liberal John Hick. As bases bíblicas para esses argumentos são raras e praticamente inexistentes.
            O terceiro aspecto básico da Teologia Relacional é o entendimento de que a ênfase na imutabilidade de Deus o torna um Ser insensível e impassível diante dos sofrimentos humanos. O ensino de que Deus é um ser imutável também o torna apático ao sofrimento humano. O problema agrava-se com o fato de a Bíblia apresentar Deus como sendo amor, pois a afirmação de que foi por esta razão que ele  mandou seu Filho para redimir os que nele crêem é radicalmente oposta a qualquer conceito da impassibilidade divina, segundo essa teologia. Clark H. Pinnock argumenta: Impassibilidade é o mais dúbio dos atributos divinos discutidos no teísmo clássico, porque ele sugere a idéia de que Deus não experimenta tristeza, sofrimento ou dor. Ele parece negar que Deus é atingido pelo sentimento de nossas enfermidades, a despeito do que a Bíblia eloquentemente afirma sobre o seu amor e sua tristeza. Como pode Deus amar e não ser atingido pelo mal? Como pode Deus ser impassível quando o Filho encarnado experimentou sofrimento e morte? Parece ser ainda neste sentido que Gondim corretamente insiste que a perspectiva bíblica sobre Deus não é a de um ser impassível, mas de um ser que expressa os seus sentimentos, ou seja, ele lamenta (Ez 6.9), ele se alegra (Sf 3.7), ele sente ciúmes (Sl 78.58) e ele tem prazer em mostrar o seu amor (Mq 7.18). Contudo, a explicação de Gondim para estas manifestações do sentimento divino é que ele preferiu limitar sua soberania e abrir mão de sua imutabilidade para relacionar-se com suas criaturas. Neste ponto há que se concordar que ao longo da história cristã muitos definiram a Deus como um ser impassível. Os próprios teólogos da Confissão de Fé de Westminster procuraram defini-lo como “um espírito puríssimo, invisível, sem corpo, membros ou paixões; é imutável, imenso, eterno, incompreensível, onipotente, onisciente, santíssimo, completamente livre e absoluto.” Esta afirmação tem sido um entrave para muitos que tentam harmonizar esse ensino com as informações bíblicas. Como resposta, alguns preferem defender que as expressões bíblicas sobre as reações emocionais divinas são antropopatismos, ou seja, expressões que atribuem sentimentos humanos a Deus. Embora esta argumentação não esteja errada e pareça fazer justiça à intenção dos teólogos de Westminster (pois no contexto Deus é apresentado como espírito, sem corpo e sem paixões), ela ainda não é satisfatória para muitos. A polêmica a ser levantada é: se Deus de fato for impassível, ou seja, não sentir paixões, como pode se relacionar com os seus filhos e que conforto esses redimidos poderiam ter em sua vida diária se este relacionamento se baseasse apenas numa figura de linguagem antropopática? Ainda que o assunto exija mais atenção, algumas coisas precisam ser esclarecidas a este respeito. Em primeiro lugar, há que se entender que o termo impassibilidade é uma expressão negativa e diz respeito ao fato de Deus não poder experimentar dor, sofrimento ou prazer causado a ele por outro ser. Impassibilidade significa que Deus não é sujeito às ações de suas criaturas a menos que ele assim o queira. Contudo, impassibilidade não significa que Deus não ama, pois o amor é algo que emana dele e é por ele praticado, pois Deus é amor. Como corretamente afirma J. I. Packer, “impassibilidade não significa insensibilidade. Quando Deus entra em um relacionamento de dor e sofrimento, isso ocorre por sua própria decisão, pois ele nunca é uma vítima de sua criatura”. Além do mais, impassibilidade nunca foi sinônimo de insensibilidade, assim como imutabilidade não equivale a inércia. Os teólogos relacionais parecem não querer ter o trabalho de entender algumas verdades confessadas pelos cristãos do passado e se alegram em obscurecer o entendimento dos santos do presente. Na verdade, um momento de reflexão é suficiente para convencer as pessoas de que se Deus for sujeito aos mesmos sentimentos que os seres humanos, sua imutabilidade fica seriamente comprometida e o conforto dos cristãos, ameaçado. Em nenhum momento o teísmo clássico, nem mesmo aquele defendido pelos teólogos de Westminster, pretendeu descrever Deus como um ser insensível e distanciado de sua criação. Assim como as Escrituras afirmam, o cristianismo entende que Deus possui emoções reais, sejam estas expressões do seu amor ou da sua ira. Quando se fala da impassibilidade de Deus, o que se pretende é distinguir entre as emoções divinas e as humanas. As emoções humanas são, muitas vezes, causadas pela ignorância, distância, medo e fraqueza. Logo, essas emoções estão em constantes mutações. Deus possui uma vida emocional (ele ama, julga, exerce misericórdia, etc.), mas suas emoções não são espasmódicas como as de suas criaturas.
             Em quarto lugar, há a assertiva de que o relacionamento de Deus com os homens é determinado por seu amor e não por sua soberania. Segundo esse conceito, a soberania de Deus impossibilita a verdadeira liberdade, o que nunca ocorreria em um relacionamento real. Gondim comenta: Numa espiritualidade relacional, tanto nós respondemos às iniciativas de Deus como Deus responde às nossas iniciativas. Numa teologia relacional, Deus corre riscos nesse relacionamento com os seres humanos, embora seja infinitamente competente e sábio para alcançar seus objetivos eternos, redesenhando a história e ele mesmo se adequando às nossas decisões quando o frustramos. Em outro artigo Gondim insiste: Dessa forma deve-se compreender que a soberania de Deus, conforme defendida por alguns cristãos, especialmente os calvinistas, anula a liberdade humana e impede o relacionamento do homem com Deus com base em seu amor Com isto, entende-se que no âmago desse ensino existe a convicção de que os seres humanos só podem ser moralmente responsáveis se possuírem autodeterminação definitiva, o que exclui a soberania divina e só é possível pelo exercício do amor de Deus. O que tais teólogos parecem esquecer é que a descrição que a Bíblia faz do amor de Deus é, em si mesma, soberana, pois ele amou segundo o conselho de sua vontade (cf. Ef 1.11, Jr 31.3). Também, sua escolha amorosa é soberana (Jo 15.16). Além do mais, Paulo diz que ele “tem misericórdia de quem quer e também endurece a quem lhe apraz” (Rm 9.18).   

             A Teologia Relacional insiste na pressuposição de que o futuro está aberto para ser construído por Deus e os seres humanos em um relacionamento dentro do tempo. Este, talvez, seja o ponto de maior polêmica em relação aos teólogos relacionais, pois eles defendem que Deus só pode conhecer aquilo que existe e uma vez que ele concedeu liberdade ao ser humano para construir o futuro, o mesmo é inexistente e Deus não pode conhecê-lo. Certamente é neste contexto que a afirmação de Gondim faz mais sentido quando ele diz: Na Teologia Relacional, não há contradição com a teologia clássica na afirmação de que Deus conhece perfeitamente o passado e o presente. A polêmica nasce quando se pensa sobre o futuro. Quanto ao futuro podemos afirmar: (1) Deus conhece algumas dimensões do futuro, não por já existirem, mas por Ele haver soberanamente decretado que um dia elas acontecerão – o que explica as profecias, principalmente as messiânicas; (2) o futuro não está exaustivamente determinado, pois Deus criou pessoas para relacionamentos e os relacionamentos exigem liberdade de arbítrio. Homens e mulheres tomam decisões e geram novas realidades; (3) Deus soberanamente escolheu relacionar-se com os seres humanos de forma interativa, amorosamente, chamando-nos para sermos cooperadores com ele na criação do futuro; (4) A Bíblia afirma repetidas vezes que futuras ações de Deus dependem do comportamento dos seres humanos. De acordo com esta perspectiva, não é apenas o futuro que se encontra aberto para ser construído, mas a própria onisciência de Deus se encontra fechada com relação a ele. A única possibilidade de acatar tal pressuposição seria “redefinir” o termo onisciência e é precisamente isto que a Teologia Relacional tem procurado fazer. Segundo Gondim, somente sob esta perspectiva é que os cristãos poderão entender o valor da oração. Segundo ele, em um diálogo amoroso Deus nos convida para participarmos com ele na construção do futuro. Quando oramos, acreditamos que entramos em um genuíno
diálogo com Deus e que o futuro não está determinado. Pedimos porque cremos que o futuro pode ser mudado. Somos artesãos do futuro. Em outro artigo ele insiste: O significado mais profundo da narrativa bíblica é que Deus, na verdade, apostou na construção da história com a participação humana; Numa história inacabada, Deus continua convidando homens e mulheres para fazerem fluir a justiça como um rio caudaloso num reino de paz. A grande questão a ser respondida é como essa teologia difere da Teologia do Processo. Gondim afirma que na teologia clássica, Deus está fora do tempo e contempla tanto o passado como o presente e o futuro como se acontecessem simultaneamente – conceito neoplatônico estranho à cosmovisão judaica. Se isto ocorre na teologia clássica, como a relação entre Deus e o tempo sucedeno revisionismo da Teologia Relacional? O próprio Gondim responde a isto: O futuro não pode ser conhecido não porque Deus seja limitado, mas porque o futuro ainda não existe. Insisto: nisto não limitamos a Deus. Apenas afirmamos que ele amorosamente nos convocou para sermos arquitetos do amanhã. Logo, tanto Deus como o homem se encontram presos ao tempo e ambos evoluem e aprendem das experiências ocorridas dentro do mesmo. Esta proximidade da Teologia Relacional com a Teologia do Processo foi um dos aspectos que mais assustaram Russel Shedd quanto à nova posição de Gondim, pois ele entende que “isto o tem empurrado para uma teologia de Deus de processo”. Certamente foi partilhando da mesma compreensão que Thomas Oden (um ex-liberal) acusou o teísmo aberto com as seguintes palavras: “A fantasia de que Deus é ignorante em relação ao futuro é uma heresia que deve ser rejeitada com base nas Escrituras”. A linha divisória entre a Teologia Relacional e algumas heresias rejeitadas no passado parece ser realmente muito tênue.
            Não se pode esperar grandes benefícios da Teologia Relacional para o protestantismo brasileiro. Uma análise da Teologia Relacional não pode deixar de listar alguns de seus pontos positivos, pois eles existem. Um dos primeiros aspectos a serem valorizados nesta perspectiva é sua tentativa de focalizar o debate evangélico na doutrina de Deus. Há muita discussão na igreja contemporânea acerca de estratégias missionárias, metodologias e opiniões pessoais. Todavia, se o protestantismo brasileiro não possuir uma perspectiva claramente bíblica acerca de Deus, não haverá mensagem a ser anunciada. Outro ponto da Teologia Relacional a ser reconhecido é sua tentativa de desenvolver uma perspectiva clara da teodicéia, ou seja, a defesa da justiça de Deus em um mundo marcado pelo pecado e pela presença perturbadora do mal. Finalmente, os defensores da Teologia Relacional devem ser apreciados por seu clamor em prol de uma teologia mais bíblica e menos filosófica. O problema é que aqueles que fazem tais reivindicações parecem mais ocupados em impressionar seus leitores com suas filosofias do que estabelecer um exemplo necessário para o retorno às Escrituras. Assim como o teísmo aberto, a Teologia Relacional sempre reivindicou ser um ensino prático. Seus proponentes defendem que na medida em que as pessoas perceberem que Deus é vulnerável ao sofrimento e incapaz de conhecer minuciosamente o futuro, elas serão mais motivadas a crer nele e a buscá-lo mais intimamente, especialmente em situações de tragédias. Além do mais, essa nova perspectiva relacional de Deus deveria fortalecer a vida de oração dos cristãos, ajudá-los a explicar a existência do mal e a responder aos problemas sociais, além de motivá-los a atuarem mais na obra da evangelização. Em certo sentido, essa teologia atende perfeitamente ao espírito pós-moderno e antropocêntrico. Contudo, resta saber quão bíblica e benéfica ela realmente é para a igreja contemporânea. O ensino bíblico sobre o conhecimento de Deus é que ele conhece perfeitamente a si mesmo, bem como as coisas ao seu redor. Por ser perfeito, esse conhecimento é chamado “onisciência”, o que significa que o conhecimento de Deus não é sucessivo, mas absoluto, pois ele conhece todas as coisas em sua totalidade. Há várias passagens bíblicas mostrando que Deus é perfeito
em conhecimento (Jó 37.16; Sl 44.21), que ele conhece o interior das pessoas (1Sm 16.7; Jr 17.10; Lc 16.15 e Jo 2.25), dirige o caminho dos homens e estabelece os tempos e limites da habitação deles (Sl 33.13; Atos 17.26). Há que se notar ainda o ensino bíblico de que o aspecto da encarnação referente ao esvaziar-se de sua glória foi assumido pela segunda pessoa da Trindade e não pelo Deus triúno (Fp 2.7-8). A atitude de Jesus fez parte do período comumente descrito como “estado de humilhação”, pois após a sua ressurreição ele foi exaltado à destra de Deus e não se encontra mais “esvaziado” (Fp 2.9-11). Dessa forma, falar sobre o “Deus esvaziado” sem fazer tais distinções é, no mínimo, obscurecer a verdade e confundir a mente dos
leitores e da igreja contemporânea. Neste aspecto, MacArthur e Ware estão corretos ao afirmarem que essa suposta limitação de Deus ataca a doutrina da expiação e da obra redentora realizada por Cristo. Outro aspecto a ser lembrado sobre o ensino bíblico é que os resultados do pecado original afetaram a humanidade mais intensamente do que se imagina. Não apenas a alma, mas todas as dimensões do ser humano, tais como o seu intelecto, vontade, emoções, ações e outras mais foram danificadas pela queda. Essa é a razão pela qual as Escrituras se dirigem ao homem sem Deus como “morto em seus delitos e pecados” (Ef 2.1) e afirma que “não há temor de Deus diante de seus olhos” (Rm 3.9-18). Mesmo os cristãos neste mundo não atingiram o estado de perfeição, mas aguardam com paciência os resultados finais da redenção (Rm 8.22-25). Assim, defender a participação desse homem caído como co-construtor do futuro é, no mínimo, arriscado, para não lembrar que é ir além do que a Bíblia ensina. Ao invés de produzir conforto, essa perspectiva pode resultar em desespero, especialmente para aquele que possui uma noção do mal que nele habita (cf. Rm 7.7-25). O fato é que a prática dos pressupostos da Teologia Relacional, resulta mais em males do que os bens pretendidos. Há alguns problemas lógicos resultantes das pressuposições teológicas desse ensino. Certamente um dos efeitos mais nocivos Teologia Relacional é o fato de ela “construir” uma caricatura de Deus que o torna refém das ações humanas e que não representa o Deus que se revela nas Escrituras. Por mais que os seus defensores enfatizem a importância dos relacionamentos, no final é praticamente impossível à Teologia Relacional se livrar de sua negação da onisciência divina. Ao propor uma reinterpretação da pessoa de Deus e uma dependência de suas ações das decisões humanas ela o torna refém de sua própria criação e tal caricatura está distante de fazer justiça ao Deus verdadeiro. A insistência da Teologia Relacional no fato de que Deus se arrisca em prol de construir um futuro com os seres humanos, rouba Deus de sua glória e os cristãos do conforto de pertencerem àquele para quem “acasos não haverá”. Dessa forma, a apresentação que a Bíblia faz de Deus como “o Rei das nações” (Ap 15.3), “o Juiz de toda a terra” (Gn 18.25), aquele que faz todas as coisas “segundo o conselho de sua vontade” (Ef 1.11) e assim por diante, fica sem sentido para o cristão. Ao descrever Deus como aquele que não conhece o futuro e que se limita a ponto de não poder fazer nada sem a ação de suas criaturas, o ensino relacional destrói o conforto do coração do cristão, implantando em seu lugar o desespero. Ao buscar redefinir “onisciência”, os defensores da Teologia Relacional acabaram criando aquilo que J. B. Philips denunciou em sua obra clássica: um Deus que é pequeno demais. Certamente foi por esta razão que Roger Nicole insistiu que a Teologia Relacional transforma Deus em um mero jogador, que arrisca o seu plano e suas criaturas. Bruce Ware ousa opinar que à medida que o modelo divino do teísmo aberto penetrar em nossas igrejas poderemos antecipar uma diminuição considerável da confiança em Deus e uma grande tentação de depender de nossa inteligência e habilidades.
            O segundo problema prático da Teologia Relacional encontra-se no fato de que ela diminui a confiança dos cristãos na Bíblia. Os defensores da Teologia Relacional acreditam, e até insistem, que sua posição é mais bíblica do que aquela mantida pelo teísmo clássico. Gregory A. Boyd, por exemplo, afirma: “Se apenas aceitarmos o significado claro das Escrituras entenderemos que algumas vezes Deus se arrepende do resultado de suas decisões”. Gondim insiste em selecionar alguns textos bíblicos (pelo menos 40) que mencionam o aparente arrependimento ou frustrações de Deus, bem como alguns que supostamente mostram que Deus está incerto sobre acontecimentos futuros. Contudo, se uma pessoa adotar esta proposta do “significado claro” das Escrituras, poderá ter sérios problemas ao lidar com um texto como, por exemplo, Gênesis 22.12, usado pelos teístas abertos para dizer que Deus estava testando Abraão para aprender algo que ele realmente não sabia de antemão. O fato é que se Deus precisava testar Abraão para saber o que estava em seu coração, logo sua ignorância não é apenas acerca do futuro, mas também do presente. Em segundo lugar, se Deus estiver tentando descobrir se Abraão será fiel no futuro, segue-se que ele estará interferindo com a suposta liberdade libertária de Abraão. Dessa forma, a proposta hermenêutica dos revisionistas não passa nem no seu próprio teste. Além do mais, se Deus não conhece o futuro, qual é a garantia que o cristão possui de que as promessas contidas nas Escrituras são verdadeiras? Assim, esse ensino diminui a confiança na Bíblia e em sua autoridade.
             Em terceiro lugar o ensino da Teologia Relacional é nocivo à esperança escatológica cristã. Se o futuro será construído pelas decisões de Deus e dos seres humanos, qual é a garantia que o cristão possui de que o plano eterno de Deus será realmente realizado. Dessa forma, a certeza escatológica torna-se apenas uma possibilidade. O fato é que ao tentar resolver o problema do mal, a ênfase relacional esvaziou Deus de sua soberania e apontou uma solução mais cruel do que aquela contra a qual se opunha. Ao enfatizar a “soberania de amor” ao invés da “soberania de controle”, a Teologia Relacional produziu um universo desgovernado e um rei cujo reino, no final, é “administrado apenas de maneira vacilante, pois nem todas as criaturas são recipientes de suas intervenções de misericórdia”. A grandeza e a soberania de Deus formam o fundamento da esperança cristã (Rm 8.39). Finalmente, a Teologia Relacional traz prejuízos incalculáveis à vida devocional dos cristãos. A priori, seus defensores argumentavam que esta teologia traria grande contribuição para a vida de oração dos cristãos, pois eles entenderiam o propósito de orar: participarem da construção do futuro com Deus. Além do mais, se a oração supostamente pode mudar os planos de Deus, essa ênfase deveria levar os cristãos a orar com mais intensidade. Contudo, há que se questionar sobre qual é o verdadeiro propósito de se orar para um Deus que não sabe o que irá acontecer? Além do mais, qual é a garantia que os cristãos possuem de que, de fato, esse Deus poderá responder às suas intercessões? Talvez os proponentes desse ensino estejam esquecidos da implicação lógica de suas argumentações nesta questão da oração. Se Deus criou um universo sobre o qual ele não possui o controle total e em cujo governo as pessoas podem interferir através de suas decisões e orações, qualquer intervenção divina representaria uma violação dos direitos dessas pessoas. Logo, a suposta liberdade libertária dos indivíduos impede Deus de agir em resposta às orações dos seus santos. O fato é que a Bíblia ensina que o cristão deve ser motivado a orar pela própria onisciência e soberania de Deus (Mt 6.8-9, “porque Deus, o vosso Pai, sabe o de que tendes necessidade, antes que lho peçais. Portanto, vós orareis...”). Em outras palavras, a oração é o meio estabelecido pelo Pai para que o filho exercite a comunhão com ele.

Conclusão:

             Os caminhos da heresia nem sempre são percebidos facilmente por aqueles que trilham por eles. Como corretamente afirma Luis Wesley de Souza, “as grandes heresias surgidas ao longo da história do cristianismo não foram aquelas facilmente identificáveis à primeira vista”. Por esta razão, debates e controvérsias doutrinárias sempre serão necessários no cristianismo e em defesa da “fé entregue aos santos” (Jd 3). No caso de debates e contendas pela fé cristã, há, todavia, duas coisas que precisam ser consideradas. Em primeiro lugar, há uma diferença imensa entre consideração pelas pessoas e tolerância para com os seus erros. Enquanto o amor cristão pode ser praticado em relação àqueles que divergem da verdade na esperança de que eles retornem à sensatez, os ensinos destes não podem ser tolerados por amor ao rebanho por quem Cristo morreu. Em segundo lugar, como corretamente entendeu John Newton, há sempre obrigações espirituais no contexto dos debates teológicos. Segundo Newton, antes de colocar a “pena sobre o papel”, o debatedor deve entregar o seu oponente, “por meio de sincera oração, ao ensinamento e à bênção do Senhor”. Os efeitos disso, de acordo com Newton, são: (1) amor e piedade
ao oponente, (2) comunhão com ele, se ele for crente e, (3) compaixão por um perdido, caso ele não seja cristão.112 No que diz respeito aos defensores da Teologia Relacional e suas variadas versões, há realmente muita necessidade de intercessão!


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